Sem Democracia o mundo padece

Vivemos uns para os outros, cercados pela necessidade mutua de compreensão e respeito. O mundo somente pode ser justo se os mais fortes tiverem a compreensão de que sua força está justamente em ajudar os outros. Um país se faz com homens, mulheres e crianças que têm no olhar erguido a paz da soberania.

domingo, 9 de março de 2014

NO DOMINGO EU VOU AO PARQUE

Por Sidiney Breguêdo


Imagine que num domingo um homem decida ir a um parque afastado da cidade. médico aposentado, coloca o único neto no carro e ruma para o paraíso com pássaros e fontes que descem em traços caudalosos de água, que vão desaguar lá na frente. O clube fica em uma área isolada, com pouco movimento de pessoas. Apenas os carros passam velozes atravessando a imensidão.
      O avô e o neto vão cantando quando avistam lá a diante um desastre. Um carro completamente destruído e pessoas ainda gritando dentro dele. A criança aponta, grita, mas o avô impassível apenas passa pelo local olhando, ouvindo os gritos de socorro.
      Visto este caso exemplificativo fica a pergunta: temos direito de sermos egoístas? Podemos ignorar a dor alheia e pensar que não é problema nosso? Todos sabem que a omissão de socorro é crime previsto no Código Penal, art. 135, no entanto uma pausa para reflexão pode por em cheque tal crime. Tendo em vista que o homem tem o direito de ser egoísta.
      Uma versão do pensamento, representada por naturalistas como Richard Dawkins, considera o egoísmo um sentimento natural do homem que propaga suas necessidades naturais. Assim, o ser atende apenas aos instintos naturais do corpo. No exemplo que citamos, a necessidade de naquele dia, sem que nada pudesse atrapalhar, ir ao parque.
      O cantor e compositor Raul Seixas em uma de suas músicas cantou: “Eu sou egoísta, por que não?” ou seja, tal conduta se coaduna com a liberdade que cada homem recebe ao nascer. Estaria ligada, então, ao Direito Natural. Mas se a liberdade é inerente ao homem, o Direito inventou o cárcere, a punição e a criminalização de condutas naturais.
      Portanto, quando o Direito Penal determina os atos contrários ao Direito, está a amparar os bens jurídicos mais relevantes, estabelecendo o desvalor de condutas consideradas insuportáveis pela sociedade.
      O direito de ser egoísta todos nós temos, não há dúvida. Podemos comer, em uma lanchonete, um sanduiche recheado de gordura, enquanto uma criança de rua olha com a boca sedenta. E somente podemos fazer isso porque o Direito não criminalizou (tipificou) tal conduta. No entanto, não podemos nos dar ao luxo de não socorrer uma pessoa que está a beira da morte, se temos condições e possibilidade de fazê-lo.
      O crime de omissão de socorro, art. 135 do Código Penal, é crime de mera conduta ou de simples atividade, pois a lei não exige qualquer resultado naturalístico, bastando a ação ou omissão do agente. Esta omissão própria, tratada no Direito para sancionar a conduta daquele que podendo ajudar nada faz, trata de um não fazer quando deveria fazer. Assim, aquele avô, médico aposentado, tinha condição de ajudar as vítimas do acidente, mas não o fez, incorrendo no crime citado.
      Evidentemente, a discussão que pretendemos levantar é quanto a natureza do egoísmo. Será ele realmente uma conduta natural, ou uma falha no caráter, onde os mimos e luxos da criança não foram superados e o adulto se cerca de um mundo próprio e limitado, sem se importar com as necessidades alheias.
      Mais do que isso, o Direito Penal deve tipificar tais condutas, produzindo crimes como o do art. 135 do CP? É verdade que onde o Estado não está, o particular pode atuar, como no instituto da legitima defesa, exercício regular de direito, estado de necessidade, entre outras. Todavia, onde o Estado não está pode ele punir o particular por não ter agido imbuído de um múnus público? As questões são muitas. E quanto mais complexa a sociedade, maiores são as responsabilidades que o Estado atribui ao particular. No âmbito atual do nosso Direito aquele avô mudaria completamente os seus planos e estacionaria o carro já acionando o socorro através do celular, o que seria um ótimo exemplo para o neto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário